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domingo, 20 de janeiro de 2013

Companheiros à mesa



Nesta semana ocorreu o primeiro jantar, organizado pela militância jovem do PT de Brasília, com o objetivo de angariar recursos para o pagamento das multas sofridas pelos líderes do partido, José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares. As multas chegam a R$1,46 milhão de reais.
Vejo esta atitude por dois vieses e vou compartilhá-los contigo, amigo leitor. Primeiramente, olho de forma isenta do contexto em que esta situação toda se insere, e digo ser fantástica a atitude desta militância. Quão poderoso é o valor que une estes jovens à sua causa! Adoto aqui “valor” como sendo os princípios que normatizam a conduta social.
Engajados em uma causa, e discordantes dos destinos impostos aos seus líderes, pessoas sob uma sigla decidem organizar eventos de desagravo, arrecadações monetárias e manifestações públicas em prol da honra e do custeio das penas sofridas por aqueles que os dirigem. Demonstração de fidelidade e companheirismo causadora de inveja em qualquer outro coletivo. Particularmente não acredito que este tipo de demonstração ocorresse em outro segmento social, outro partido, outro grupo qualquer, por mais corporativista que fosse. Em se tratando do meio político, então, aí que não acredito mesmo.
O segundo ponto de vista que quero abordar necessita de uma contextualização, pois torna a atitude acima narrada bem menos valorosa.
Os senhores que figuram à cabeceira da mesa principal do evento acima mencionado são os atores principais de um dos maiores escândalos políticos de nossa história recente. Foram acusados, julgados e condenados após uma jornada jurídica que durou anos e foi avaliada pela mais alta corte de nosso país, o Supremo Tribunal Federal.
Com amplo direito de defesa, configurado em nossa constituição, orquestrado por reconhecidos e caros juristas, o julgamento seguiu todos os ritos e processos previstos nos mais rigorosos protocolos judiciais - levados a cabo por uma plêiade de juízes com o mais alto grau de competência e em boa parte indicados pela mesma sigla dos réus. Fato que deveria excluir possíveis acusações de partidarismos ou tendencial direcionamento dos votos apenadores.
Ao analisar este evento gastronômico-partidarista por esse outro viés, percebo-o em um primeiro momento como uma afronta ao processo democrático, onde todo cidadão possui direitos e deveres iguais, sendo passível, independente de sua posição ou condição, de receber todo suporte que favoreça a obtenção de seus direitos bem como toda punição em retaliação ao não cumprimento ou descumprimento de seus deveres e possíveis desvios legais.
Imaginemos que os comparsas de Fernandinho Beira-Mar, descontentes com suas condenações, decidissem promover grandes churrascadas e cervejadas nas lajes de milhares de favelas Brasil afora, em desagravo à “perseguição” sofrida por seu líder, a fim também de arrecadar fundos para atenuar suas despesas judicias. Será que teríamos uma conivência midiática e social neste caso? Não causaria reboliços e indignações este fato, por afrontar as Cortes que fizeram seu trabalho? Haveria questionamentos das provas, do julgamento, da atuação da mídia e da falta de condições do serviço prisional brasileiro? Não estou comparando os senhores citados no início deste texto com o senhor citado agora, em tipos de crimes ou nível de condenação social, os uso apenas para ilustrar uma situação de condenação jurídica e a não aceitação da mesma por setores da sociedade.
Já trabalhei esta questão em outros textos: tenho muito medo do fanatismo! Quando somos tão visceralmente engajados em causas que são, principalmente, lideradas por homens, não é salutar eximí-los de sua condição humana. Homens erram, falham, se desviam do caminho. Quando julgamos que nossos líderes são isentos de qualquer culpabilidade, quando seus feitos nos são tão maravilhosos a ponto de não aceitarmos que lhes recaiam a crítica e a condenação, começamos a trair os mesmos ideais que defendemos.
À militância as paixões idealistas e ao partido as decisões pragmáticas. Penso que esta situação está sendo tratada internamente, mesmo que apenas nos bastidores, de formas antagônicas. Enquanto a juventude PTista faz barulho para enobrecer seus heróis, ato válido na ótica dos valores que supracitei, o partido precisa se reorganizar para desanuviar de vez os nebuloso céu que tenta esconder sua estrela, outro ponto que também é lícito se entendermos que o partido e sua ideologia devem ser maior que seus indivíduos, pelo bem do coletivo.
Provavelmente os pratos servidos nos jantares em prol dos companheiros condenados sirvam para homenageá-los mais do que custeá-los. Possivelmente uma pequena parcela da militância continuará aos pés de seus mártires e os recepcionará de braços abertos e faixas na cabeça às portas das penitenciárias, quando de suas liberações. Acredito que o grande contingente militante se manterá fragmentado até o levante de novos e unificadores líderes, enquanto o partido permanecerá articulando, cooptando e midiatizando estratégias para manutenção de seu projeto de poder, o que infelizmente tem sobrepujado seu projeto de governo.

Marcos Marinho
Professor e Consultor político
Twitter: @mmarinhomkt
www.mmarinhomkt.com.br

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